Com foco nos municípios, o evento reuniu especialistas e discutiu questões como criação do IVA, guerra fiscal e autonomia dos entes federados
O Tribunal de Contas da União (TCU) reuniu especialistas para discutir questões relacionadas aos impactos, nos municípios, do sistema tributário atual e das propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, que tramita no Senado, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, na Câmara dos Deputados, além do Projeto de Lei 3887/2020, de autoria do Executivo federal.
O encontro foi realizado no dia 23/9, no âmbito do Programa TCU+Cidades. Ao abrir o evento, o ministro Aroldo Cedraz destacou a importância de se debater o assunto e lembrou que, em janeiro deste ano, a presidente do TCU, ministra Ana Arraes, criou uma unidade específica para tratar do tema, a Secretaria de Controle Externo da Gestão Tributária e Supervisão de Contas (SecexTributária), dada a relevância para a sociedade e para o desenvolvimento socioeconômico do País. “É papel desta Corte promover não somente discussões técnicas, como as que vamos realizar hoje, mas também promover informações de qualidade, que auxiliem a formulação de políticas públicas pelo poder Executivo, bem como a elaboração de normas pelas Casas legislativas”, afirmou o ministro. “Quero agradecer a presença de todos e renovar o meu desejo de que os debates resultem em informações úteis e em ideias valiosas para a construção de um projeto de reforma tributária mais justo para aquele que é a razão de existir da administração pública: o cidadão”.
Temáticas – Dois painéis compuseram o “Diálogo Público TCU+Cidades”: o primeiro abordou as distorções do sistema tributário atual e o segundo, as consequências da reforma tributária nos municípios. Entre os temas debatidos: guerra fiscal; modelo, regulamentação e gestão dos tributos criados a partir da reforma tributária e as consequências para o Brasil e para os contribuintes; autonomia, governança e competências municipais; impactos nos repasses dos fundos de participação de estados e municípios (FPE e FPM); simplificação de tributos e impostos (PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS); possibilidade de criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA); benefícios e incentivos fiscais; e implicações na receita e na arrecadação dos entes federados.
O evento foi transmitido pelo canal do TCU no YouTube e acompanhado ao vivo por gestores públicos, representantes de prefeituras, da Academia, dos poderes Judiciário e Legislativo, da Receita Federal, de Tribunais de Contas nos Estados, de ouvidorias e órgãos de controle estaduais e municipais. Pelo chat, o público encaminhou perguntas que foram debatidas durante o webinário.
Assista, abaixo, à íntegra do encontro:
Pelo TCU participaram o secretário-geral da Presidência, Adriano Amorim, o coordenador-geral de Controle Externo da Área Econômica e das Contas Públicas, Tiago Dutra, e o titular da SecexTributária, Eduardo Favero.
Ao fazer as considerações finais, Tiago Dutra ressaltou que o TCU é um órgão auxiliar do Congresso Nacional. “Nós temos um histórico importante de atuação nas relações federativas. Mais recentemente, temos tido uma atuação relevante nas discussões sobre desenvolvimento regional e, agora, com a criação da SecexTributária, nós temos uma linha de atuação ainda mais contundente nessa área”, disse.
Como exemplo, o coordenador citou a auditoria operacional que está sendo realizada pelo Tribunal, em parceria com 22 Tribunais de Contas nos Estados, para avaliar a neutralidade e a complexidade do sistema tributário, com foco na tributação sobre o consumo.
Leia, a seguir, alguns destaques das contribuições dos palestrantes.
Melina de Souza Rocha Lukic, diretora na York University (Canadá)
“É preciso acabar com a fragmentação de base que se tem hoje e tributar em uma só incidência toda e qualquer operação com bens e serviços. Com isso já se consegue uma isonomia entre os consumidores – o consumidor de um serviço terá a mesma carga tributária que o consumidor de um produto. Só de adotar uma base ampla, colocando todas as operações em um único tributo, já se acaba com a complexidade que é muito presente no nosso sistema”.
“Com a aprovação do relatório da PEC 110, 80% dos municípios terão aumento de receita, isso sem considerar o período de transição de 50 anos e o incremento no crescimento econômico que a própria reforma tributária vai trazer. A reforma não só vai aumentar a arrecadação e as receitas dos municípios como vai ampliar a isonomia, ao diminuir a diferença, tanto na arrecadação, quanto na distribuição da cota parte do ICMS”.
Sandro de Vargas Serpa, subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal
“A complexidade do sistema tributário brasileiro traz insegurança jurídica ao País. Infelizmente, nós temos uma profusão de ações nos tribunais administrativos, decorrentes da complexidade da legislação, da dificuldade de interpretação tanto do fisco quanto dos contribuintes e de algumas formas não só de tributar, mas da disciplina de distribuição dos créditos, em nível federal e estadual”.
“É importante destacar que o ministro Paulo Guedes [Economia] tem colocado a necessidade de que, para que o IVA dual seja aprovado, os municípios devem estar dentro do modelo. Esse é um ponto relevante para o Ministério da Economia e para a Receita Federal: que nós tenhamos um IVA que efetivamente comtemple as três esferas da federação. Nós sabemos das dificuldades e dos variados contextos – temos mais de 5,5 mil municípios, logicamente, com realidades, estruturas tributárias e necessidades diferentes. As discussões com Estados e municípios têm sido intensas, no sentido de construir o entendimento para que tenhamos um IVA dual que contemple os municípios”.
Giovanna Victer, secretária municipal de Fazenda de Salvador e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Fazenda e Finanças da Frente Nacional de Prefeitos
“O que está sendo enfrentado na reforma tributária por meio do IVA poderia estar sendo feito de outras formas, sem necessariamente essa mudança tão estratosférica que é o IVA dual. Nós poderíamos alcançar os mesmos objetivos dessa proposta de reforma tributária”.
“O problema do litígio tributário do País não está nos impostos municipais, está no ICMS e no PIS/Cofins, e não no ISS. Os impostos municipais têm, sim, problemas para serem cobrados, do ponto de vista da economia política, mas todos têm. Os impostos municipais não são complexos e não têm grandes problemas de litígio e de transparência. Existem ajustes incrementais dos principais tributos dos municípios que já contribuiriam em muito para os objetivos da reforma tributária”.
Jefferson Passos, secretário municipal de Fazenda de Aracaju e presidente da Associação das Secretarias de Finanças das Capitais
“Hoje, 87% da arrecadação do ISS é feita por aproximadamente 400 municípios que têm mais de 80 mil habitantes. Isso dá R$ 60 bilhões no ano. Esses municípios correspondem a 61% da população do país. Nós temos aproximadamente 5 mil municípios que arrecadam 13%, 14% de ISS – municípios com menos de 80 mil habitantes. Então nós temos visões diferentes sobre o tributo, do ponto de vista da sua relevância e da sua importância para o financiamento das políticas públicas municipais”.
“Em relação aos aspectos federativo, político-institucional e econômico, os municípios não têm como aderir a uma proposta [de reforma tributária] individual. O que nós defendemos é que cada ente da federação faça a sua reforma: a União faz a reforma do PIS/Cofins, os Estados fazem a reforma do ICMS e nós melhoraremos ainda mais o ISS. Como? Fazendo uma legislação única nacional do ISS, com a tributação no destino, com a extinção a classificação de serviços que hoje existe, com uma alíquota única municipal, entre 2% e 5%, com um sistema e uma guia de arrecadação nacional”.
Heleno Tavares Torres, advogado tributarista e professor-titular de Direito Financeiro na Faculdade de Direito da USP
“Um dos princípios constitucionais mais caros para o nosso federalismo é o da autonomia tributária e financeira dos municípios. Essa garantia, a meu ver, está esquecida durante todo esse processo de discussão de reforma tributária”.
“O mais importante é defendermos a competência dos municípios e evitarmos essa tragédia que lamentavelmente alguns ainda defendem, especialmente, os municípios pequenos, que acham que viver de transferência de receitas é algo que facilita, que simplifica. Não entendem eles que com isso renunciam à própria condição de município. Se você renuncia a sua capacidade de arrecadação, você renuncia a própria natureza da existência do que é a autonomia municipal. Então, vira quase uma autarquia. Quero destacar a importância de que, na reforma tributária, as competências municipais devem ser protegidas – no bom sentido”.
( Com Informações: TCU AM )