Associações ligadas ao saneamento básico e membros da sociedade civil sugeriram melhorias aos contratos de programa para abastecimento de água e esgotamento sanitário, nesta quinta-feira (2). As contribuições foram o foco de audiência pública promovida pela Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela regulação do setor após a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Os contratos de programa ocorrem quando um município fecha acordo direto com a empresa estadual para o fornecimento de água e tratamento de esgoto. Esses contratos permitiam que as companhias públicas assumissem o serviço sem concorrência. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), esse tipo de contrato abrange 70% da população, isto é, cerca de 155 milhões de brasileiros.
O novo Marco Legal do Saneamento Básico acabou com esse tipo acordo, mas aqueles que já estavam em vigor antes da legislação puderam continuar desde que comprovem capacidade econômico-financeira — o prazo máximo é março de 2022 — e se comprometam com as metas de universalização a serem cumpridas até 2033: 99% da população atendida com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto.
A ANA tem a missão de estabelecer diretrizes para orientar a adequação dos contratos de programa ao que a lei exige. É o que destaca Cristiane Ferreira Dias, presidente da agência. “O papel da ANA neste processo de implementação do novo marco é trabalhar de forma transparente, com segurança regulatória e jurídica para que os investidores se sintam confortáveis e confiantes para fazer o aporte de recursos que o setor demanda”, disse.
Adequação
A audiência foi marcada por um forte ponto de divergência entre os participantes: quais adaptações os contratos de programa têm que ter para se adequarem ao novo Marco Legal.
Segundo Marcel Costa Sanches, representante da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), a lei determina que além da meta de universalização dos serviços de água e esgoto, os contratos de programa incluam outros dispositivos, como a “redução de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, do reúso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas da chuva”, entre outros.
Essas exigências fazem parte do artigo 10-A do novo marco e, para Marcel, precisam ser referenciadas por meio de uma norma pela Agência Nacional de Águas, de modo que as companhias possam incluí-las nos contratos. “Temos uma condição de incompatibilidade de prazos. Nós temos um direcionamento da lei para adaptação dos contratos até março de 2022, porém sem as normas de referência da ANA é impossível adaptar todos os contatos para todas as condições que a lei estabelece”, disse.
Já Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), acredita que o Marco exige a adequação dos contratos de programa apenas à meta de universalização dos serviços até 2033. “Eu não entendo essa discussão em que dizem: ‘eu preciso das diretrizes para adequar o contrato de programa’. As diretrizes que emanam da ANA e o artigo 10-A são para futuros contratos. Os contratos hoje regulares e vigentes terão que ser adequados ao prazo de 2033”, rebateu.
Segundo Percy, as companhias estaduais querem se aproveitar para adequar os contratos de programa a pontos que já deveriam estar ajustados a leis anteriores, como a Lei dos Consórcios, de 2005, e o primeiro Marco Legal do Saneamento Básico, de 2007.
“Essas leis já definem que a prestação de saneamento tem que ser por meio de contrato de programa e o conjunto mínimo de elementos que deviam estar nesses acordos para eles serem válidos. Há uma série de municípios importantes no Brasil que não têm contratos de programa. Belo Horizonte é o caso mais exemplar. Então, o cara não se adequou, ficou operando sob uma forma de contratualização antiga, não respaldada na lei durante quase 15 anos, e agora quer uma janela de mais tempo para se adequar”, afirma.
Disputa
O advogado Wladimir Antonio Ribeiro destacou que a ANA terá que lidar com um dilema: ou mantém os contratos de programa como estão, ou faz uma norma de referência para que os acordos adotem formas mais completas, o que pode levar a disputas judiciais.
“Ao melhorarmos os contratos podemos causar um dilema que é interpretar que essa melhora, essa mudança, tenha atingido alguma das obrigações do contrato e gerando uma indústria de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro. O grande problema é que ao melhorar os contratos gerar litígios onde não existiam, mas do outro lado, existem litígios escondidos, porque como o contrato tem baixa qualidade, uma hora ou outra pode ser foco de litígio”, explica.
O tal pedido por reequilíbrio financeiro poderia impactar o bolso do consumidor final. Ou seja, se a companhia estadual entender que as adequações exigidas vão gerar mais gastos para o contrato de programa, pode haver aumento da tarifa para a população do município em questão.
Neuri Freitas, diretor presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) pediu cautela para evitar que isso ocorra. “Imagino que para os contratos já firmados o que vale é pensar indicadores e metas para cumprir o que a legislação traz de obrigação até 2033. As demais situações ou obrigações que predizem constar, a gente tem que pensar direitinho.”
Pavimentação
Os participantes também sugeriram que a ANA pense em uma solução para o impasse que há entre municípios e empresas que prestam o serviço de saneamento sobre a recuperação do pavimento onde as obras ocorrem. Neuri relata a disputa: “As companhias recuperam, geralmente, as valas das obras e todo município quer a recuperação total das vias. Recentemente tivemos que fazer uma obra de saneamento no Ceará que custou R$ 15 milhões e só a recomposição do pavimento foi R$ 12 mi. Então, os números que se falam hoje para chegar à universalização podem ir muito além e, por consequência, podemos ter impactos vultosos nas tarifas”, disse.
Ronaldo Feitosa, representante da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), sugere uma parceria entre o poder concedente (município) e a companhia que opera o serviço. “Se tivesse uma alternativa dentro dos contratos de programa, em que o poder concedente pudesse prestar o serviço para a concessionária e isso de alguma ser compensado, seria muito interessante para as companhias terem mais agilidade nessa prestação de serviços”, opina.
Abrangência
Ivan Massimo, superintendente de um consórcio regional de saneamento básico que envolve 17 municípios de Minas Gerais, reclamou que algumas companhias melhoram o saneamento básico apenas na área urbana em detrimento dos espaços rurais, relegados a um segundo plano.
“A nossa proposta é prever a prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de forma concomitante na sede e em todos os distritos rurais como condição de continuidade do contrato de programa. O espaço territorial municipal é o que engloba a cidade e não a preferência das companhias para bem colocarem o que querem fazer ou não”, disparou.
Segundo Ronaldo, da Cagece, é importante haver critérios para definir qual a área de atuação das empresas. “Existem algumas discussões do que é área urbana ou zona rural e onde estaria definido a área de atuação da concessionária. Isso é um ponto importante, porque a área de atuação varia muito de município para município. Seria bom que isso fosse definido dentro do contrato de programa”, recomendou.
Futuro
A partir do que foi sugerido na audiência a ANA vai analisar e escrever um relatório final. Além disso, o órgão pretende continuar as discussões em torno do tema em outros eventos participativos.
Fonte: Brasil 61