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Mauro (nome ficíticio), um dos participantes do projeto, expressa sua dor por meio de desenhos: sem rio para navegar, sua família não o visita, e ele imagina, sem notícias, que a seca castiga a vida de quem ama
Numa manhã marcada pela emoção, a última sexta-feira (01) trouxe o encerramento de mais uma edição do projeto “Esperançar – Remição pela Literatura” na Delegacia de Nhamundá. Entre histórias de vida, o peso da reclusão e sonhos para o futuro, detentos puderam usar a escrita como forma de expressão e autoconhecimento, em uma jornada de quase dois meses que culminou numa experiência transformadora.
Iniciado em 11 de setembro, o projeto, inspirado na “Escrevivência” — conceito da escritora Conceição Evaristo que estimula a escrita a partir das vivências pessoais e coletivas —, é uma parceria da Defensoria Pública do Amazonas com o Juízo da Vara da Comarca de Nhamundá, o Ministério Público, a Secretaria de Educação, a Delegacia de Polícia e o Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas, campus Parintins. Ao longo das oficinas, os participantes escreveram textos que integrarão uma obra coletiva.
O evento de encerramento, denominado “Puxirum” — palavra indígena que significa colaboração em prol de um bem comum — foi conduzido pelo defensor público Daniel Bettanin, junto às professoras Maria Audirene Cordeiro e Tatiana Paulain. Nele, os detentos compartilharam relatos sobre a vida na prisão, o impacto do isolamento e o significado da escrita em suas trajetórias. Entre palavras e lágrimas, ficou evidente o poder da literatura como caminho de transformação e ressignificação.
Partindo de Parintins (onde existe uma sede da Defensoria do Amazonas), chegar até Nhamundá é uma travessia que revela os desafios das comunidades locais. Uma viagem de lancha que costumava durar duas horas agora toma o dobro do tempo, em razão da seca. Esse percurso, feito pelos defensores a cada duas semanas para prestar assistência jurídica, foi pano de fundo de muitas das histórias contadas pelos detentos. *Mauro (nome ficíticio), um dos participantes, expressa sua dor por meio de desenhos: sem rio para navegar, sua família não o visita, e ele imagina, sem notícias, que a seca castiga a vida de quem ama. “A gente se sente preso não só pelo lugar, mas pelo tempo”, comenta.
Para Pedro Paulo, que também cumpre pena, as raízes expostas pelas águas baixas são símbolo de um vazio profundo, uma ausência que vai além do clima. Seus desenhos registram a dureza da seca e o sonho pela liberdade, enquanto os temas da saudade e da distância permeiam suas obras e o de muitos colegas.
Com cada relato, o projeto mostrou que a remição de pena vai além do que se vê. Muitos dos detentos, inicialmente tímidos pela falta de escolaridade, ajudaram-se mutuamente para escrever e desenhar suas histórias. A saudade dos entes queridos, o desejo de uma nova vida e a celebração de suas próprias existências emergiram como temas comuns e conectaram cada participante pela dor e pela esperança.
A professora doutora Audirene Cordeiro, com sua paixão pela antropologia, guiou as conversas com uma linguagem acolhedora e acessível. “Procurei desenvolver uma linguagem simples para que eles se sentissem à vontade. Quando você compartilha sua vivência de forma direta, transforma a história em uma conversa, e isso traz empoderamento. A escrita é uma porta de escape, uma maneira de registrar as violências vividas, tanto no físico quanto no mental”, afirmou Audirene. Ela reforçou que os detentos não se viam apenas como “os presos”, mas também como autores de suas histórias.
Daniel Bettanin, defensor público que já levou o projeto a outros municípios, como Maués, acredita que a iniciativa vai muito além da remição de pena. “Eles ganharam um caderno e uma caneta para colocar suas vivências no papel. A nossa dinâmica de encerramento foi uma roda de leitura, onde todos puderam compartilhar o que escreveram. Agora, vamos compilar tudo para publicar uma obra coletiva e deixar um legado para eles”, explicou Daniel, emocionado.
Tatiana Paulain, professora de Nhamundá e responsável por supervisionar as produções dos detentos, compartilhou a novidade que a experiência trouxe para ela. “Foi minha primeira vez trabalhando com adultos em situação de privação de liberdade. Cheguei receosa, mas aprendi muito com eles. Com o coração aberto, tudo é possível, e essa experiência só me trouxe gratidão.”
Para Pedro Paulo, o projeto foi uma oportunidade de colocar no papel o que não podia compartilhar com ninguém. “A gente desabafa. Escrevendo, a gente se sente aliviado. Hoje, já dava pra escrever o que aconteceu aqui: vocês chegaram, conversaram, pegaram na mão da gente. Acho maravilhoso o que a Defensoria faz, nos dando a oportunidade de mostrar que não somos o que pensam da gente. Vou levar a escrita pra vida”, contou Pedro, entusiasmado com a chance de se redescobrir.
O projeto “Esperançar – Remição pela Literatura” revelou o poder transformador da escrita, permitindo que os detentos não apenas recontassem suas histórias, mas também revissem suas trajetórias e se reconectassem com seus sonhos e com a própria humanidade. Em breve acontecerá a publicação da obra coletiva.
Texto: Tayara Wanderley
Fotos: Allan Leão/DPE-AM
Mauro (nome ficíticio), um dos participantes do projeto, expressa sua dor por meio de desenhos: sem rio para navegar, sua família não o visita, e ele imagina, sem notícias, que a seca castiga a vida de quem ama
Numa manhã marcada pela emoção, a última sexta-feira (01) trouxe o encerramento de mais uma edição do projeto “Esperançar – Remição pela Literatura” na Delegacia de Nhamundá. Entre histórias de vida, o peso da reclusão e sonhos para o futuro, detentos puderam usar a escrita como forma de expressão e autoconhecimento, em uma jornada de quase dois meses que culminou numa experiência transformadora.
Iniciado em 11 de setembro, o projeto, inspirado na “Escrevivência” — conceito da escritora Conceição Evaristo que estimula a escrita a partir das vivências pessoais e coletivas —, é uma parceria da Defensoria Pública do Amazonas com o Juízo da Vara da Comarca de Nhamundá, o Ministério Público, a Secretaria de Educação, a Delegacia de Polícia e o Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas, campus Parintins. Ao longo das oficinas, os participantes escreveram textos que integrarão uma obra coletiva.
O evento de encerramento, denominado “Puxirum” — palavra indígena que significa colaboração em prol de um bem comum — foi conduzido pelo defensor público Daniel Bettanin, junto às professoras Maria Audirene Cordeiro e Tatiana Paulain. Nele, os detentos compartilharam relatos sobre a vida na prisão, o impacto do isolamento e o significado da escrita em suas trajetórias. Entre palavras e lágrimas, ficou evidente o poder da literatura como caminho de transformação e ressignificação.
Partindo de Parintins (onde existe uma sede da Defensoria do Amazonas), chegar até Nhamundá é uma travessia que revela os desafios das comunidades locais. Uma viagem de lancha que costumava durar duas horas agora toma o dobro do tempo, em razão da seca. Esse percurso, feito pelos defensores a cada duas semanas para prestar assistência jurídica, foi pano de fundo de muitas das histórias contadas pelos detentos. *Mauro (nome ficíticio), um dos participantes, expressa sua dor por meio de desenhos: sem rio para navegar, sua família não o visita, e ele imagina, sem notícias, que a seca castiga a vida de quem ama. “A gente se sente preso não só pelo lugar, mas pelo tempo”, comenta.
Para Pedro Paulo, que também cumpre pena, as raízes expostas pelas águas baixas são símbolo de um vazio profundo, uma ausência que vai além do clima. Seus desenhos registram a dureza da seca e o sonho pela liberdade, enquanto os temas da saudade e da distância permeiam suas obras e o de muitos colegas.
Com cada relato, o projeto mostrou que a remição de pena vai além do que se vê. Muitos dos detentos, inicialmente tímidos pela falta de escolaridade, ajudaram-se mutuamente para escrever e desenhar suas histórias. A saudade dos entes queridos, o desejo de uma nova vida e a celebração de suas próprias existências emergiram como temas comuns e conectaram cada participante pela dor e pela esperança.
A professora doutora Audirene Cordeiro, com sua paixão pela antropologia, guiou as conversas com uma linguagem acolhedora e acessível. “Procurei desenvolver uma linguagem simples para que eles se sentissem à vontade. Quando você compartilha sua vivência de forma direta, transforma a história em uma conversa, e isso traz empoderamento. A escrita é uma porta de escape, uma maneira de registrar as violências vividas, tanto no físico quanto no mental”, afirmou Audirene. Ela reforçou que os detentos não se viam apenas como “os presos”, mas também como autores de suas histórias.
Daniel Bettanin, defensor público que já levou o projeto a outros municípios, como Maués, acredita que a iniciativa vai muito além da remição de pena. “Eles ganharam um caderno e uma caneta para colocar suas vivências no papel. A nossa dinâmica de encerramento foi uma roda de leitura, onde todos puderam compartilhar o que escreveram. Agora, vamos compilar tudo para publicar uma obra coletiva e deixar um legado para eles”, explicou Daniel, emocionado.
Tatiana Paulain, professora de Nhamundá e responsável por supervisionar as produções dos detentos, compartilhou a novidade que a experiência trouxe para ela. “Foi minha primeira vez trabalhando com adultos em situação de privação de liberdade. Cheguei receosa, mas aprendi muito com eles. Com o coração aberto, tudo é possível, e essa experiência só me trouxe gratidão.”
Para Pedro Paulo, o projeto foi uma oportunidade de colocar no papel o que não podia compartilhar com ninguém. “A gente desabafa. Escrevendo, a gente se sente aliviado. Hoje, já dava pra escrever o que aconteceu aqui: vocês chegaram, conversaram, pegaram na mão da gente. Acho maravilhoso o que a Defensoria faz, nos dando a oportunidade de mostrar que não somos o que pensam da gente. Vou levar a escrita pra vida”, contou Pedro, entusiasmado com a chance de se redescobrir.
O projeto “Esperançar – Remição pela Literatura” revelou o poder transformador da escrita, permitindo que os detentos não apenas recontassem suas histórias, mas também revissem suas trajetórias e se reconectassem com seus sonhos e com a própria humanidade. Em breve acontecerá a publicação da obra coletiva.
Texto: Tayara Wanderley
Fotos: Allan Leão/DPE-AM